José Luiz
GRANDE TEIA
Tem coisas que ninguém pode fazer pela gente. Há momentos de profunda introspecção. A solidão do banheiro nos remete a esta particularidade. É um instante solo, único, em que ninguém pode interpretar no seu lugar. As doenças que nos acometem também demonstram que temos nossas exclusividades; o sono nosso de cada dia, as nossas dores de cotovelo, o sal da lágrima: só pode ser vivido por quem passa, não se transfere. Agora, o resto é tudo dividido. Tolo de quem pensa ser dono do mundo. O maior dos latifundiários não ocupa mais que um metro quadrado, estando de pé.
Para ser feliz, o artista precisa do aplauso, mesmo que, quando famoso, o assédio dos fãs o aborreça; o cozinheiro clama por um elogio a seu caprichado prato; o pedreiro espera ouvir loas de seu acabamento refinado; o professor aguarda o reconhecimento dos alunos após uma aula bem dada. Vivemos numa intrincada rede em que vidas são cruzadas estabelecendo simbioses por vezes silenciosas, em que impera uma dependência singela - ou explícita - do outro em quase tudo o que produzimos. Ser humano é bicho social. Apoderou-se com propriedade do dom de comunicar-se e vai criando vínculos por todo canto que passa. E assim, a grande teia vai se tecendo. Os fios meticulosamente vão se entrelaçando e nós, tão presos, tão soltos, vamos interagindo, criando laços, desfazendo nós, até que as forças se esvaiam e outros ocupem nosso lugar. É a dinâmica da vida.
Cuide bem de seus sonhos e desejos. À medida do amadurecimento, se for preciso, troque-os, mas nunca deixe de tê-los. É a liga que mantém unida as tranças da grande teia. Mantenha-se a maior parte do tempo amando, se conseguir. Não perca tempo com os ranços pestilentos do rancor e do ódio. Só o fazem doente. A cada contato leva-se muito daquele que passeou pela nossa existência. Assim, quando olhado lá de cima, só se vê o planeta por inteiro. Não se vislumbra uma pessoa de cada vez. Somos parte de um todo. Que alegria! Eu sou você, mesmo que não queira. E vice-versa.
É isso aí!
1 comentários:
"O sal da lágrima" remete a pensamento poético no qual, analogicamente, o grande Zé Mulato já deixou dito em uma canção: Tal qual o ladrão de uma represa, as lágrimas agem como limitadores de nossas dores e sentimentos, evitando que o açude interior (o coração), exploda. Quanto aos "ranços pestilentos do rancor", a mágoa é o único sentimento humano que nutrimos a outrem que só fere ao mentor de tal sentido. E como se avoluma em pouco tempo! Belo texto, caro Professor José Luiz de Paula. E muito oportuno em tempos de campanha política onde fogueiras de vaidade e interesses grosseiros sobrepujam o calor de velhas amizades.
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