TIELE, O LAVRADOR DE PALAVRAS E RISOS.
Há homens que nascem com o dom de
transformar o ordinário em extraordinário. Não com riquezas ou títulos, mas com
a graça simples de quem sabe viver e contar a vida. Um desses é Tiele, lavrador
de mão cheia, criador de palavras e histórias que ecoam como risadas no meio das
lavouras.
Sessenta e sete anos, mas com o vigor
de um moço que ainda desafia o sol a pino. Seu rosto é um mapa de riscos e
sorrisos, cada linha uma história, cada ruga uma piada pronta. Orgulha-se do
filho doutor, fruto de suor e sacrifício, mas não troca sua enxada por diploma.
"Doutor é ele, eu sou é homem da terra", diz, com aquele jeito
desconcertante de quem fala verdades como se fossem gracejos.
Tiele tem seu próprio dicionário.
Para ele, "arçada" não é nenhuma coisa que pareça uma alçada, mas
sinônimo de desastre. "Quase caí numa arçada hoje, caboclo", conta,
rindo da própria desventura, como se tropeçar no mundo fosse apenas mais uma
piada do destino. Inventa palavras como quem finca mudas em terra riscada: sem
cerimônia, só para ver no que dá. E sempre dá em risada.
Ah, as histórias de Tiele! Conta com
arte de mestre as passagens pitorescas da "panha" do algodão, quando
os homens disputavam quem enchia mais sacas e quem inventava as lorotas mais
engraçadas para disfarçar o cansaço. Fala do corte da cana como se fosse uma
epopeia, com heróis, vilões e reviravoltas dignas de um romance. Mas sua
narrativa mais célebre é a do dia em que virou lutador de circo.
Pois é. O circo chegou na cidade com
pompa e autofalante esganiçado. Anunciavam a temida Mulher Montanha e Zulu, a
Rainha da África, desafiando os corajosos da região. Tiele, movido por um
espírito de aventura (ou por uma cachaça bem tomada), subiu no tablado. Não se
sabe ao certo como, mas aquele homem de sorriso largo, vestes simples, virou a
grande atração da temporada circense naquelas bandas.
Dizem que ele não ganhou, mas também
não perdeu: saiu de lá com mais uma marcante história para contar, e a cidade sempre
o faz rememorar e contar tudo em detalhes para que todos caiam na risada, mesmo
depois de ouvir a peripécia uma dezena de vezes.
Hoje, Tiele cuida de suas plantações
de abacaxi, e de outros que o contratam para plantar, cobrir, adubar, com a
mesma dedicação com que cultiva suas anedotas. Vive bem, sem luxos, mas com a
riqueza de quem sabe que a vida é melhor quando a gente ri dela. E quando
passa, seja na vendinha da esquina ou no meio da roça, deixa um rastro de
alegria, como quem semeia vento e colhe riso.
Tenho o privilégio de conviver rotineiramente com Tiele, pois namora
minha sogra (vejam!) e já conheço muitas histórias que dariam um belo livro
somente com seus causos vividos.
Há destes raros homens que não vão precisar
de estátuas para permanecer. Sua memória viverá na gargalhada dos amigos, nas
palavras inventadas, nas histórias que se contam em uma roda de amigos. Tiele é
um desses. Um homem da terra, do sol e do riso. E, no fim das contas, não há
legado maior.
0 comentários:
Postar um comentário