CRÔNICAS DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR: CRÔNICA DE UM RELÓGIO QUE NUNCA PARA.
O relógio não mente. Ele marca, impiedoso, o compasso da existência. Tique-taque, tique-taque — e lá se vai mais um minuto, mais uma hora, mais um dia que não volta nunca mais. Enquanto você lê estas palavras, o ponteiro avança, devorando o futuro e transformando-o em passado. E você, distraído na correria do cotidiano, nem percebe que está, a cada instante, mais perto do último segundo, do ultimo movimento do ponteiro menor.
As aulas têm 50 minutos. Tem aqueles que ficam contando os segundos –
alunos e professores – para deixarem as salas, pois para eles ali é deserto
árido e infértil, gerador de sofrimentos, terreno repleto de tristezas e
frustrações. A mim, como professor que crê na poesia – por vezes dura e
implacável – da educação, nunca me acometeu esse inglório sentimento, pois nunca
me ative ao relógio; sempre fui alertado pelo susto da sirene escandalosa. Os
dias vão passar de seu modo inexorável, impiedoso, não há jeito, nem nada capaz
de o deter. Assim, como “passar de ano” significa bem mais que simplesmente ser
aprovado no fim do ano letivo, é carregar as histórias vividas para ser um
pouco melhor no tempo que há de chegar, vamos seguindo o comboio.
Quantas vezes, ao longo da vida, olhamos para o relógio com pressa?
"Que horas são?" — perguntamos, ansiosos, como se o tempo fosse um
inimigo a ser derrotado. Mas ele não é. Ele é simplesmente o rio que nos
carrega, sem perguntar nossas vontades, rumo ao mar. E nós, frágeis
passageiros, agarramo-nos a troncos ilusórios — planos, promessas, esperanças
—, tentando adiar o inevitável.
Lembro-me de quando era criança e o tempo era um aliado. Os dias eram
longos, as tardes infinitas, e o ponteiro do relógio da sala parecia dormitar,
preguiçoso. Hoje, os ponteiros correm. Correm como se tivessem pressa de chegar
a um destino do qual eu, francamente, não quero nem saber.
Mas eis a beleza da coisa: enquanto o relógio avança, nós ainda estamos
aqui. Respirando. Sentindo. Amando. Sofrendo, sim, mas também rindo — e quanta
graça há num simples riso! Quantas histórias cabem num só dia! A vida, essa
mestra insensível, não para. Ela nos empurra para frente, mesmo quando queremos
ficar parados.
Por isso, caro leitor, da próxima vez que olhar para o relógio, não
pense apenas no compromisso que vem a seguir, no prazo a cumprir, na conta a
pagar. Pense nisto: você ainda tem tempo. Talvez o suficiente para dizer
"eu te amo", para abraçar com vontade, para plantar uma árvore que
outros colherão os frutos. O relógio não para, mas enquanto ele se move, você
ainda está no jogo.
E quando chegar a hora — porque ela chegará para todos —, que o seu
relógio não marque apenas horas vazias, mas histórias bem vividas. Que ele não
conte apenas minutos, mas momentos. E que, no fim, quando o tique-taque
silenciar, alguém olhe para o seu legado e diga: "Ah, como essa vida valeu
a pena."
Sorria. O tempo passa, mas a vida é agora, neste instante. Viva!
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