José Luiz

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ÍMÃ DE GELADEIRA

Eram pouco mais das dez da noite, o sujeito vinha meio cambaleante pela calçada, querendo um ponto de apoio onde pudesse encostar toda sua embriaguez. Saíra do trabalho às seis e passara em um bar para tomar uma a fim de esquentar o peito. Lá, encontrou uns outros amigos que tinham o mesmo plano. Alguém teve a ideia de jogar uma partida de sinuca. Compraram cigarro e foram naquele imbróglio todo: fumo, bebida e sinuca. Gritos, abraços, sorrisos em bocas mal cuidadas, doses repetidas sem arrependimento, até que o dono do bar pediu licença para fechar o estabelecimento. Agora, restava tomar o caminho de casa, depois de horas maltratando o fígado e o espírito.

Enfim, conseguira chegar ao lar. Uma esposa de semblante entristecido, de rugas prematuras, já previa que homem receberia aquela noite. Os filhos, que não vira de madrugada quando saíra para a lida na roça, continuaria sem vê-los, pois, cansados de esperar, adormeceram no canto menos desgastado do sofá velho. Ele, até então solícito e brincalhão com os amigos, perguntava de forma ríspida onde estava o jantar. Ao perceber que não tinha carne na panela, esbravejou e jogou os utensílios pelo ar, acordando as crianças e assustando quem morava perto. A carne fora trocada pelos litros de aguardente, pelas fichas de sinuca, pelos maços de cigarro. Ele não se dava conta da insensatez e, aos gritos, ameaçava tudo e a todos. A mulher conseguiu arrefecer sua mágoa, aquietou-se num canto, pegou seu surrado rosário e pôs-se a rezar, abraçada aos meninos. Ele, percebendo a falta de reação da família, proferiu uns palavrões e foi se deitar.

No outro dia, com a cabeça inchada, dolorida pela ressaca, olhou para o lado para saber as horas e perguntar sobre a marmita que levaria para o campo. Não viu ninguém, nem um barulhinho. Levantou-se, nervoso novamente, pronto a prosseguir com sua jornada de admoestação e humilhação alheia, mas não via movimento pela casa, apenas um bilhete sob um ímã na geladeira. Cansada de tudo, havia ido embora com seus filhinhos. Deixara para trás uma vida desgraçada pela miséria provocada pela infausta bebida alcoólica. Melhor sofrer na busca de um rumo, na construção de um caminho, que padecer nas unhas de um homem ensandecido, doente pelos efeitos perversos da bebida. Fora para nunca mais voltar. Àquele pobre homem, dominado pelo medo da solidão e devastado pelo vício, restava uma lágrima teimosa que caía no lado da face. Caminhou lentamente para o portão para ver se enxergaria resquícios de sua família. Viu apenas o espaço vazio, com os rastros do cheiro das pessoas que mais amava. Aquele dia não iria trabalhar, avisaria o patrão, estava decidido a refazer sua história, trazer de volta suas joias mais ricas, reconstruir um mundo caído, uma vida sem prumo. Saíra no rumo da Estação Rodoviária na intenção de chorar, ajoelhar-se, resgatar seu último fio de esperança. Dali para frente, sua vida seria outra.

É isso aí!

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