CRÔNICA DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR - A ÁRVORE CAÍDA E O CORAÇÃO EM PÉ

11:56 Professor José Luiz 0 Comments


Era 5 de junho, Dia do Meio Ambiente. A sala de aula, envolta no frio cortante da manhã de inverno, parecia convidar mais ao recolhimento do que à algazarra costumeira. Os alunos, agasalhados (alguns, exóticos, insistiam em embrulhar-se em cobertores finos), respiravam aquele ar úmido que precede a geada, enquanto eu tentava, como de hábito, transformar a data em algo mais que um mero lembrete no calendário. 

— Meio ambiente não é só floresta, não é só bicho, não é só o que está longe — eu dizia, observando os olhares dispersos pelas janelas. Foi então que um menino quieto, ali daquele 8º ano, ergueu a mão com timidez, mas com uma voz embargada e firme: 

— Professor, ontem derrubaram um jatobá gigante na fazenda onde meus pais trabalham. Tinha mais de cem anos, eu tenho certeza, pelo que meus avós contavam. 

A sala silenciou. Não por educação, mas porque algo naquele relato cortara o ritmo mecânico da manhã. O aluno não chorou, mas seus olhos brilhavam úmidos, e suas mãos, encolhidas sobre a mesa, tremiam levemente. Confesso que, ao ouvi-lo, veio-me um desejo enorme de deixar as lágrimas caírem. Doeu na alma saber que um ser vivo centenário fora abatido pela sanha do capital. 

— E aí, o que fizeram com a árvore?— perguntei ao aluno. 

— Serrada. Virou lenha, eu acho. O patrão mandou cortar porque atrapalhava o plantio da soja. 

Houve um murmúrio. Alguns reviraram os olhos, como se aquilo fosse um completo exagero. Outros baixaram a cabeça, talvez rememorando histórias semelhantes. O frio lá fora parecia ter invadido a sala, ou talvez fosse o peso daquela imagem: um jatobá centenário no chão, suas raízes arrancadas da terra como memórias apagadas. 

— E o que você sentiu quando viu a árvore derrubada? — perguntei, abandonando o plano de aula, o roteiro pré-estabelecido. 

Ele hesitou, mas então falou: 

— Parecia que tinham matado um velhinho, daqueles que contam histórias. A gente brincava debaixo dela, os pássaros faziam ninhos... Agora é só um toco que, em breve, vão arrancar. 

Aproveitei o silêncio que se seguiu para propor uma produção de texto. Tentei inspirá-los, lembrando que aquela árvore fora sombra que refrescava o gado no verão, que suas folhas viravam fertilizante natural para o solo, que seu tronco sustentara cordas de balanço e, agora, se tornara apenas um empecilho ao lucro. 

Os cadernos se abriram, mas não houve o habitual resmungo sobre o tema difícil. Dali, brotaram textos belos. Simples, considerando a tenra idade daqueles meninos e meninas, mas profundos como quem compreendera a magnitude do momento. 

Ao lê-los, fiquei pensando: se todos pudessem chorar por uma árvore derrubada, o mundo não estaria tão devastado. Se todos vissem nela mais que madeira — história, abrigo, vida... 

Aquele menino permitira, por meio de um estalo pedagógico (que alguns chamariam de “insight”), uma reflexão que nos ensinou: às vezes, é preciso um coração partido para despertar outros. Como diria Drummond, "preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças". E nós, professores, precisamos estar atentos a esses ricos momentos de aprendizagem que, por vezes, valem mais do que planejamentos curriculares estáticos, enrijecidos e engessados. Não podemos deixar que a rigidez das orientações estanques sufoquem esses momentos espontâneos de ensino. Afinal, estudantes não são meros receptáculos de conteúdo, mas seres em crescimento: flexíveis, ávidos por conhecimento e transformação. A escola não é uma prisão de grades invisíveis, mas um território onde mentes podem voar, sonhar, questionar e, assim, verdadeiramente florescer, pois educar é cultivar e não enjaular. A escola deve ser asas, não correntes que impedem o voo, nem muros que atravancam o crescimento. Educação é cuidar da vida, é arte, é poesia.

 

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