CRÔNICA DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR - A ÁRVORE CAÍDA E O CORAÇÃO EM PÉ
Era 5 de junho, Dia do Meio Ambiente. A sala de aula, envolta no frio cortante da manhã de inverno, parecia convidar mais ao recolhimento do que à algazarra costumeira. Os alunos, agasalhados (alguns, exóticos, insistiam em embrulhar-se em cobertores finos), respiravam aquele ar úmido que precede a geada, enquanto eu tentava, como de hábito, transformar a data em algo mais que um mero lembrete no calendário.
— Meio ambiente não é só
floresta, não é só bicho, não é só o que está longe — eu dizia, observando os
olhares dispersos pelas janelas. Foi então que um menino quieto, ali daquele 8º
ano, ergueu a mão com timidez, mas com uma voz embargada e firme:
— Professor, ontem derrubaram um
jatobá gigante na fazenda onde meus pais trabalham. Tinha mais de cem anos, eu
tenho certeza, pelo que meus avós contavam.
A sala silenciou. Não por
educação, mas porque algo naquele relato cortara o ritmo mecânico da manhã. O
aluno não chorou, mas seus olhos brilhavam úmidos, e suas mãos, encolhidas
sobre a mesa, tremiam levemente. Confesso que, ao ouvi-lo, veio-me um desejo
enorme de deixar as lágrimas caírem. Doeu na alma saber que um ser vivo
centenário fora abatido pela sanha do capital.
— E aí, o que fizeram com a
árvore?— perguntei ao aluno.
— Serrada. Virou lenha, eu acho.
O patrão mandou cortar porque atrapalhava o plantio da soja.
Houve um murmúrio. Alguns
reviraram os olhos, como se aquilo fosse um completo exagero. Outros baixaram a
cabeça, talvez rememorando histórias semelhantes. O frio lá fora parecia ter
invadido a sala, ou talvez fosse o peso daquela imagem: um jatobá centenário no
chão, suas raízes arrancadas da terra como memórias apagadas.
— E o que você sentiu quando viu
a árvore derrubada? — perguntei, abandonando o plano de aula, o roteiro
pré-estabelecido.
Ele hesitou, mas então
falou:
— Parecia que tinham matado um
velhinho, daqueles que contam histórias. A gente brincava debaixo dela, os
pássaros faziam ninhos... Agora é só um toco que, em breve, vão arrancar.
Aproveitei o silêncio que se
seguiu para propor uma produção de texto. Tentei inspirá-los, lembrando que
aquela árvore fora sombra que refrescava o gado no verão, que suas folhas
viravam fertilizante natural para o solo, que seu tronco sustentara cordas de
balanço e, agora, se tornara apenas um empecilho ao lucro.
Os cadernos se abriram, mas não
houve o habitual resmungo sobre o tema difícil. Dali, brotaram textos belos.
Simples, considerando a tenra idade daqueles meninos e meninas, mas profundos
como quem compreendera a magnitude do momento.
Ao lê-los, fiquei pensando: se
todos pudessem chorar por uma árvore derrubada, o mundo não estaria tão
devastado. Se todos vissem nela mais que madeira — história, abrigo,
vida...
Aquele menino permitira, por meio
de um estalo pedagógico (que alguns chamariam de “insight”), uma reflexão que
nos ensinou: às vezes, é preciso um coração partido para despertar outros. Como
diria Drummond, "preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer
as crianças". E nós, professores, precisamos estar atentos a esses ricos
momentos de aprendizagem que, por vezes, valem mais do que planejamentos
curriculares estáticos, enrijecidos e engessados. Não podemos deixar que a
rigidez das orientações estanques sufoquem esses momentos espontâneos de ensino.
Afinal, estudantes não são meros receptáculos de conteúdo, mas seres em
crescimento: flexíveis, ávidos por conhecimento e transformação. A escola não é
uma prisão de grades invisíveis, mas um território onde mentes podem voar,
sonhar, questionar e, assim, verdadeiramente florescer, pois educar é cultivar
e não enjaular. A escola deve ser asas, não correntes que impedem o voo, nem
muros que atravancam o crescimento. Educação é cuidar da vida, é arte, é
poesia.
0 comentários:
Postar um comentário