CRÔNICAS DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR - O PROFESSOR-GOLEIRO E AS LIÇÕES QUE A QUADRA ENSINA
Era uma noite de julho, início do mês, véspera do tão esperado recesso escolar. Na quadra, em que a cobertura era o próprio céu, enfeitado com estrelas e a lua, acontecia o tradicional Campeonato de Férias promovido por um clube de serviço local, em uma pequena comunidade ali no sul no Triângulo Mineiro. Nas arquibancadas, um grupo de alunos aguardava ansioso, não pelo jogo em si, mas pelo que viria a seguir: o professor, aquele mesmo que lhes ensinava como escrever redações, traduzia canções em inglês e discorria sobre a importância de se conhecer e aplicar bem as regras gramaticais, agora vestia a camisa do time e se postava entre as traves, pronto para mais uma batalha esportiva.
Eu era o professor-goleiro. E ali,
naquela quadra de futsal, as lições iam muito além dos livros. Os sentidos
ficam aflorados, movidos pela emoção e adrenalina do esporte.
Os meninos chegavam cedo, aglomeravam
em um canto preferido das arquibancadas, e seus olhos brilhavam a cada defesa e
devolviam com gritos e aplausos. Para mim, era o melhor combustível. No dia
seguinte, era inevitável: os corredores da escola ecoavam comentários sobre as
jogadas.
— "Professor, aquela defesa no
ângulo foi impossível!" — dizia um, ainda maravilhado.
— "E a saída de bola com o pé
deixando o companheiro na cara do gol? Parecia um jogador profissional!" —
completava outro.
Eu sorria e aproveitava para trazer a
quadra para a sala de aula:
— "Sabem por que consegui aquela
defesa? Porque fui me aprimorando. E sabem por que errei aquele outro lance?
Porque hesitei, titubeei e deixei a insegurança falar mais alto. Na vida é a
mesma coisa: disciplina para se preparar, coragem para agir, confiança para
executar e humildade para aprender com os erros."
Havia algo sagrado naquela troca. Eles não admiravam apenas os reflexos ou os chutes, mas a forma como eu liderava o time, como me levantava rápido depois de um gol sofrido, como incentivava os mais novos mesmo quando perdíamos. O futebol, ali, era uma metáfora viva e pulsante. (Segue nos comentários...)
— "Professor, o senhor fica
nervoso nos pênaltis?" — perguntou certa vez um aluno, curioso.
— "Fico. Mas o segredo é confiar
e não deixar o medo paralisar você. Assim como em uma prova: se estudou, basta
respirar fundo e fazer o seu melhor. O medo não é o contrário da coragem. O
medo é o contrário da covardia."
Os títulos vieram, as medalhas
encheram o armário, mas o verdadeiro troféu eram os olhares daqueles alunos
que, aos poucos, começavam a entender que ser campeão na quadra — ou na vida —
não era questão de sorte, mas da escolha em persistir, de exercer a solidariedade,
de conseguir se levantar após cada queda (inevitáveis na dura missão de viver).
No fim das contas, aquelas noites de
jogos eram apenas outra forma de ensinar e aprender, mesmo sem essa pretensão.
E cada defesa, um exemplo. Cada vitória, cada derrota (poucas), uma lição. No
fundo, o que eu queria mesmo era que eles soubessem que a vida, assim como o
futebol, é feita de momentos decisivos, de entrega, de aguerrimento e dedicação.
E que o fato de estar ali disputando uma partida, por si só, já era um enorme
privilégio. E o que importa não é apenas o placar, o resultado, perder ou
ganhar, mas como você joga o jogo. Tem aqueles que sequer entram em quadra, com
receio do que vão pensar, do alurido das arquibancadas, das críticas sobre
alguma falha. Já são derrotados antes mesmo de jogar. O bom da vida é o risco,
o desafio, o enfrentamento do novo, de pisar na quadra em cada jogo que encaramos
e que nunca se repetem, jamais serão os mesmos.
Disputei campeonatos até próximo aos
40 anos de idade com boa disposição física e competência, apesar de um pouco
acima do peso, mas ainda com reflexos apurados. Hoje, tento me manter ativo
jogando pingue-pongue, fazendo caminhadas, para não me enferrujar e manter
ativo o corpo que naturalmente, vai se curvando ao tempo. E assim, a vida vai
seguindo como tem de ser.
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