CRÔNICA DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR - O DESTINO E A EDUCAÇÃO
Eram meados de 1990. O inverno do cerrado no interior mineiro ainda pairava sobre aquela comunidade rural quando, às 6h40 da manhã, ouvi o portão bater. Estava prestes a sair para prestar um serviço como eletricista em um sítio ali próximo. Do outro lado, Nilza, minha antiga professora do primário, a mesma que me ensinara a traçar as primeiras letras, nesta época atuava somo secretária escolar e agora me olhava com aquela expressão decidida de quem não veio para pedir, como sempre o fizera, mas para anunciar:
— Falei com a diretora. Você vai substituir a
professora de matemática. Só por quinze dias.
Eu falei para a Florinda que o Zé Luiz do Jesus é inteligente e “dava
conta” das aulas!
Matemática! Eu, que nunca me vi em uma sala de aula
como professor, agora teria de enfrentar fórmulas, equações, alunos à espera de
respostas que eu mesmo nem sabia se tinha. Mas a vida, essa mestra caprichosa,
já havia plantado suas sementes: meu pai, homem prático, nos ensinara desde
cedo a arte das contas rápidas, da regra de três, da prova dos nove. Nunca
imaginei que aquelas lições, dadas entre trocos e faturas na venda da família,
um dia me salvariam.
Na escola, não houve cerimônia. A diretora logo me
entregou os cadernos, apontou para as salas e disse:
— Os alunos estão lá. Depois a gente acerta a papelada
(em uma época em que isso era possível). Aluno não pode ficar sem professor.
Bom trabalho!
Anos depois, já licenciado em duas graduações, com
três especializações e um – quase – mestrado, concursado por algumas vezes
(longe da matemática), tendo transitado por salas de aula – do ensino
fundamental ao superior, diretorias de escolas, secretaria de educação,
palestras, consultorias, livros, sujeito a tudo o que a educação me propiciou a
partir daquela “convocação” e, obviamente, daquele “sim”, voltei à casa de
Nilza. Era seu aniversário. Havia sido lembrado pelo santo Facebook. Levei
flores, um gesto singelo para uma mulher que nunca foi de afagos fáceis. Ela,
sempre tão ríspida na aparência, no jeito de agir, mas de uma lealdade feroz
aos seus, sorriu ao me ver.
— Estas flores são um gesto de gratidão, um jeito de
dizer “obrigado”, professora. Por ter se lembrado de mim naquele dia. Por ter
sido o elo que ligou minha vida à educação.
Ela riu, os olhos marejados de um orgulho
discreto.
— Eu me lembro bem daquele dia — respondeu, já pegando
o celular. — Vamos tirar uma foto!
Registramos o momento. Depois, me convidou para
entrar, para um café em sua casa simples, porém bonita, de alpendre
aconchegante. Mas eu, sempre apressado, me desculpei:
— Outra hora, dona Nilza. Prometo que volto.
E hei de cumprir. Porque algumas dívidas não se pagam com flores, mas com presença. E a dela, na minha vida, já estava paga desde a primeira letra que me ensinou a escrever, de alguma forma, sempre marcando minha vida!
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