CRÔNICAS DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR - AULA DE INGLÊS
Certa
vez, em uma de minhas aulas de Inglês, estávamos interpretando a canção Imagine,
do ex-Beatle John Lennon. Além da tradução, buscávamos compreender as nuances
da língua, identificando adjetivos, substantivos e elementos de conexão do
texto. Como um tempero essencial, analisávamos também a mensagem transmitida
pela letra.
A
aula acontecia em uma turma de 6º Ano do Ensino Fundamental, a antiga 5ª série,
etapa escolar temida por muitos educadores devido à fase peculiar dos alunos,
que transitam da infância para um mundo novo, repleto de mudanças psicológicas,
físicas e sociais.
Ao
término da canção, um pequeno estudante—menino esperto, atento, negro, de 11
anos, ergueu a mão, ansioso para fazer uma pergunta. Concedi-lhe a palavra e ele
me questionou:
—
Professor, tenho um sonho. Amo Inglês e quero, um dia, me tornar tradutor. Será
que consigo?
Ao
enxergar, naqueles olhos miúdos e brilhantes, uma imensidão de sonhos, respondi
com firmeza que sim, ele conseguiria. Mas ressaltei que as conquistas, para
nós, vinham através de muito esforço, suor e lágrimas. Ele era parte de uma
família com dez irmãos, vivendo em uma situação financeira extremamente
precária, a ponto de, em algumas ocasiões, funcionários da escola se unirem
para montar uma cesta básica e ajudá-los a enfrentar a fome.
Disse-lhe
que, apesar das dificuldades, ele alcançaria essa vitória e se tornaria uma
inspiração para seus irmãos, que veriam nele a prova de que também poderiam
realizar seus sonhos. Reforcei que deveria estudar com afinco e colocar essa
meta como prioridade em sua vida. Acrescentei ainda que, quando estivesse
prestes a receber seu diploma, me enviasse um convite, para que, se possível,
eu estivesse lá, na plateia, aplaudindo sua conquista. Ele sorriu, os olhos
ainda mais brilhantes, e se aquietou em sua carteira.
Foi
então que outra aluna ergueu o braço. Lembro-me bem dela: uma menina
pequena - herdando os traços genéticos de sua família, de personalidade ímpar e
olhar vivo. No alto de sua pouca estatura, perguntou se poderia comentar algo
sobre minha conversa com o colega.
Consenti
com um aceno de cabeça, e ela, com a convicção de quem carrega um pensamento
sincero, disse:
—
Professor, o senhor não deu uma aula de Inglês.
Por
um instante, fiquei surpreso. Confesso que temi o que viria a seguir, pois me
pareceu que aquela garotinha estava prestes a me chamar a atenção por não ter
dedicado o tempo da aula ao ensino formal da matéria.
Mas,
então, veio a frase que aquece meu coração até hoje:
—
O senhor deu uma aula de AMOR.
Sempre
me emociono ao recordar esse episódio, seja em palestras, seja em conversas
casuais. Esse momento me faz acreditar que segui o caminho certo, pois, para
mim, educação que não toca a alma das pessoas não tem valor algum.
Mais
do que conteúdos programáticos, o que realmente importa são as marcas que
deixamos nesses jovens, seres sedentos por conhecimento e ávidos por alguém que
lhes mostre um caminho. Pessoas que, assim, podem se tornar mais felizes, donas
de si, preparadas para enfrentar essa jornada dura e fascinante chamada vida.
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