José Luiz

10:49 José Luiz 0 Comments

Quem é normal?

Não assisto a novela das oito. Não por desprezo ou por considerar ser subcultura ou coisa que o valha. É por pura falta de tempo. Não se pode desprezar uma indústria que confecciona produtos que fazem sucesso no mundo todo, com características legitimamente nacionais. Talvez se tivesse o tempo merecido, nem assistiria: escolheria outra programação, ou mesmo um filme, ou um livro. Bem, o que importa é que outro dia pude ver um pedaço do folhetim global, que é das oito, mas começa às nove. E percebi que lá existe uma família totalmente do avesso. Coisa de ficção que transcreve de forma literal muitas situações do cotidiano. Uma mãe tresloucada, toda afetada, que possui muito mais intimidade com a cabeleireira do que com os filhos e passa a maior parte do tempo elaborando planos fúteis para o final de semana. Um pai ambicioso, cheio de traumas, truculento e agressivo, sempre com palavras ácidas para disparar contra os filhos. Um filho aparentemente normal, vistoso, mas que possui uma esquizofrenia crônica, e que a família faz questão de não querer enxergar a verdade inabalável dos fatos (conhece algum caso parecido?). Por último, uma moça que foge completamente ao estereótipo do jovem comum, cheia de manias, com predileção pela cor preta e que a mãe insiste em denominá-la de Mortiça.

Aos olhos da sociedade, sem conhecer o âmago da família, todos iriam considerar que esta última personagem descrita é a ovelha negra, o contraponto, a rebeldia em pessoa. No entanto, fazendo uma análise atrevida de um único capítulo assistido, pude perceber que ali, naquela figura exótica, paira um mínimo de lucidez e sobriedade. Ela organizava os pensamentos mais lógicos dentro daquela formação familiar despedaçada. A única que conseguia enxergar as necessidades do irmão e o esfacelamento total daquele lar hipócrita.

Tomo a liberdade de estabelecer um paralelo, uma ponte, com a realidade que nos cerca. Quantas vezes não julgamos, ou até mesmo condenamos, alguém pelo seu jeito de vestir, seu modo de falar, e elegemos o dito “certinho” como o mais confiável? Aí mora o perigo. Mentes abomináveis, maquiavélicas, psicopatas, podem estar habitando em corpos bem trajados, em aparências meticulosamente bem cuidadas. Enquanto isso, bons corações podem morar em peito de gente meio sem modos, que não se veste de acordo com a conveniência social, que não se encrudece pelo biotipo “mauricinho’ ou “patricinha”, num padrão pré-definido, num estilo bancário e executivo. Nada contra. Até acho bacana a pessoa se cuidar e ter uma boa apresentação, o que incomoda é que, infelizmente, assim nos comportamos: levantamos hipóteses ou apresentamos laudos pela imagem que concebemos, pela aparência que enxergamos. É preciso ter um pouco mais de cuidado com essas projeções, pois podemos pôr os pés pelas mãos e cometer injustiças atrozes. Vide o caso da pseudofamília em questão. Está vendo? Até novela pode nos ensinar alguma coisa. Aprendi.

É isso aí!

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