UMA HISTÓRIA QUE PARECE NÃO TER FIM... (CRÔNICA DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR)
Já vesti todos as vestimentas, e/ou armaduras, que esta nobre profissão pode oferecer. Fui o jovem professor do ensino fundamental, com a pasta e a alma cheia de planos e o coração batendo mais forte diante de inúmeros pares de olhos curiosos. Aprendi, na pele, que educar é muito mais que transmitir conteúdo; é acender uma chama e fazê-la sempre viva. Depois, veio a gestão: diretor de escola municipal e de escola estadual. Aquele que carrega não apenas a lição, mas o peso da responsabilidade de cuidar da merenda, do telhado que goteja, de liderar colegas, da esperança de uma comunidade inteira. Aprendi que uma escola é um organismo vivo, pulsante, e que liderá-la é um ato de amor e, principalmente, de coragem. Por isso, meu profundo respeito a todos os gestores escolares.
A sala da Secretaria de Educação trouxe outro horizonte. De cima, se enxerga o mapa inteiro, com todos os seus desafios e potencialidades. É um tabuleiro complexo onde cada peça movida afeta milhares de vidas. Foi lá que entendi, em sua plenitude, que a educação é a coluna vertebral de uma sociedade. E mesmo no ensino superior, rodeado de teorias complexas e mentes adultas, a essência nunca mudou: a de semear e esperar a colheita que, certamente, há de vir.
Escrevo livros, ministro palestras, assessoro municípios. Tento, de todas as formas, traduzir em palavras o que vivi em salas de aula e a educação em que acredito. Colecionei histórias como quem coleciona pedras preciosas. A da aluna tímida que se tornou uma advogada brilhante. O garoto inquieto que descobriu na política sua salvação e hoje é orgulho de tantos. Na escola em que atuo, a grande maioria dos colegas é composta por ex-alunos. Já tenho aí no livro de nomes, milhares de vidas que tive o privilégio de fazer parte. Cada um, uma semente lançada ao vento, com a esperança fértil de que encontrasse terra boa.
Mas a vida, em sua sabedoria dinâmica e cíclica, guardou para o final da carreira, porque um professor nunca para, apenas muda o palco, em um ato catártico, a sua metáfora mais perfeita, mais tocante.
Hoje, entro em uma sala de aula não mais como o diretor austero ou o secretário importante. Entro como eu mesmo, no meu estado mais puro e que me preenche o coração de orgulho: o título de professor. E diante de mim, sentada nas primeiras fileiras, com seus olhos brilhantes e curiosos, está uma adolescente de lindos cabelos cacheados, inteligente e sagaz. Ela carrega no sorriso o mesmo jeito de sua mãe, aquela aluna de olhar aceso e cheia de sonhos. E sabendo de sua origem, recordo-me da avó que, nos anos 90, bem no princípio de minha carreira, uma menina de sotaque nordestino (que tanto amo pois remete às minhas raízes por parte de mãe) que se mostrava tão esforçada. Mais tarde, foi também minha aluna na faculdade no curso de Serviço Social.
Olhando para o começo, toda a teoria pedagógica, todos os livros publicados, todos os cargos exercidos se dissolvem em uma única e poderosa verdade: o enorme privilégio de ser professor. O privilégio indizível de atravessar gerações. De não ter construído um muro, mas plantado um jardim. De ver que as sementinhas minúsculas, plantadas com as mãos sujas de giz, não apenas floresceram, mas deram frutos magníficos que, por sua vez, carregam novas sementes. Hoje, enfrento ainda problemas severos no ombro em virtude do excessivo esforço, entristeço-me pela baixa valorização da classe, mas carrego a certeza de que tudo valeu muito a pena.
Essa aluna-neta é a prova viva de que o ciclo da educação nunca se fecha; ele se expande, como os anéis de crescimento de uma árvore secular. Sou o mesmo professor, diante do mesmo assombro do aprender, agora na terceira geração. E isso não é apenas uma carreira. É uma bênção. É a certeza de que o mais importante que um educador pode legar ao mundo não está em um currículo, mas no coração de seus ex-alunos, e agora, gloriosamente, no sorriso de uma neta.
A semente de Francisca virou a árvore da Diene, que agora gera o fruto chamado Ana Beatriz. E eu, humilde jardineiro, sigo regando, com a mesma água de sempre: o conhecimento embebido com o poder transformador do afeto e da esperança, de uma educação libertadora.


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