O CIRCO
O circo está vazio. São nove da noite, é sábado, nenhum
movimento. As luzes apagadas. Apenas a penumbra e uma luz fraca, destas comuns,
de brilho alaranjado, lá no fundo do picadeiro. Uma silhueta se forma na lona
já gasta, um homem sentado com a cadeira no meio das pernas. Sem que perceba
minha presença, fico a observar aquele semblante entristecido. Sem pinturas no
rosto, o velho palhaço chora. O circo não era o mesmo, a força da TV e da
Internet havia tirado um pouco da força mágica dos espetáculos. Há tempos rareava
o número de gente para vir assistir. Mesmo assim, insistia no sonho. Agora,
sumiu tudo de vez. Não tem criança para dar gargalhadas, nem os engraçadinhos
que sempre querem chamar mais a atenção que os artistas. O vírus espantou todo
mundo. Até por força da lei, não podem mais trabalhar.
A cada lágrima que rola naquela face cansada, vejo o lamento de
quem depende da bilheteria para subsistir, para ter o que comer. Ele e tanta gente
ali naquela terra dos sonhos, palco das fantasias, seara das doces ilusões. E
amanhã, o que fará? Não o perturba tanto a mente a qualidade das apresentações,
se o palhaço estará engraçado, se o malabarista não vai falhar, se as
dançarinas estão bem ensaiadas. O que faz aquecer os miolos é a preocupação com
o que fazer para alimentar tantas bocas que nesta hora tentam se acomodar em
seus apertados trailers. Não tem dinheiro para pagar os salários, nem as
comissões e nem tem de onde tirar. Persiste nesta loucura de manter em pé esta
ideia fixa, de permanecer aberto o devaneio do circo que vem há quase um século
mantido pela família.
O Decreto veio na véspera da estreia. Estava tudo prontinho. Não
deu! E agora, espera voltar ao normal ou abaixa as tendas e volta não sabe para
onde, se o mundo inteiro parou? Escolheu esperar. A esperança é o combustível
que mantém vivo o sonho desta gente. Só precisará mudar o nome do Circo. Mesmo
que a família carregue com orgulho esta marca, não dá pra ter nome de um vírus
tão implacável nas placas iluminadas. Mais um prejuízo.
Vou me distanciando, sem fazer barulho e sem conseguir segurar,
uma lágrima teimosa cai junto. Uma desilusão silenciosa, um certo desencanto cedeu
lugar ao barulho e a diversão dos pequenos. Mas, parece que ouço uma voz grossa
dizendo, tendo ao fundo o som de O Milionário, na guitarra de timbre
inconfundível dos Incríveis, dizendo: “Respeitável público, o espetáculo voltou!
É hora de ser feliz!”
É isso aí!
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